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História

Numerosos vestígios atestam a presença dos povos hispano-romanos na freguesia, mas é com a fixação da capital em Coimbra, no reinado de D. Afonso Henriques, que se inicia o desenvolvimento da povoação, ao tempo, graças às influências dos mosteiros dos cónegos regrantes de Santo Agostinho e de Celas, que aqui possuíam extensas propriedades.

Desse tempo, restam alguns rodízios na ribeira de Cernache e seus inúmeros pequenos afluentes, a testemunhar a importância de tal actividade no passado. Na verdade, grande parte dos cereais consumidos em Coimbra foi durante séculos farinada pelos moleiros desta freguesia, que cobravam uma certa maquia estabelecida pela Câmara da cidade.

Cernache foi concelho, com Câmara e todos os funcionários administrativos e judiciais necessários, chamando-se então Cernache dos Alhos, pela abundância e boa qualidade destas liliáceas que os seus campos férteis produziam. Ainda hoje é daqui que sai também a maior parte da cebola que se vende enrestiada nas feiras de S. Bartolomeu em Coimbra ou nas de Soure e Montemor.

Elevada a vila em 1420, por carta de D. João I, que entregou o senhorio a seu filho D. Pedro, duque de Coimbra, Cernache recebeu mais tarde o seu foral, concedido por D. Manuel I, em 15 de Setembro de 1514, mercê que o decreto de 6 de Novembro de 1836 suprimiu.

Da sua história ressaltam, ainda, os donatários ilustres. Assim, no século XVI, foi de Gonçalo Nunes Barreto, a quem D. Fernando concedeu a jurisdição civil, em 1376. O infante regente D. Pedro doou a povoação, juntamente com Almalaguês e Sobreiro, a Guilherme Arnao, fidalgo inglês vindo no séquito da rainha D. Filipa, como mordomo. Muito ligado ao infante, morreu com ele na batalha de Alfarrobeira. Dele descendem os Arnaut.

A sede da freguesia, que começou a estender-se ao longo da Estrada Nacional nº1, esteve desde tempos muito antigos ligada a Coimbra. Nas imediações passava a estrada romana de Lisboa a Braga, e os peregrinos chegavam a esta vila, onde Álvaro Anes de Cernache fundara um hospital e uma albergaria especialmente para os acolher. Sobre esta escreveu Giovanni Confalonieri, em 1594: "Tem uma hospedaria bem cuidada, com serviço de pratos, por certo parecido com Itália".

À entrada de Cernache, assinalada por um torreão de gosto romântico, fica a antiga Quinta dos Condes de Esperança, com o seu parque agradabilíssimo de grutas e altos plátanos, que já teve fama de ser uma das melhores do País. Foi adquirida pela Companhia de Jesus, que ali instalou um bem apetrechado Colégio dirigido pelos padres Jesuítas.

A Igreja Matriz testemunha o passado histórico da vila, apresentando vestígios dos séculos XIII-XIV, românicos, na sacristia e capela-mor. O corpo, renascentista, sofreu grandes ampliações no século XVI, ganhando um notável efeito decorativo no interior, por causa das suas elegantes capelas laterais. Possui ainda um notável conjunto de obras de arte, de que se destacam a estatuária pétrea da Renascença coimbrã, uma Credência, também de calcário de Ançã, da época de D. João V, os azulejos, datados de 1770 e fabricados em Coimbra, e o retábulo maneirista. Na capela do Santíssimo, a merecer a maior atenção é o famoso Relevo de Alabastro de Nottingham, considerada a mais bela escultura de todas quantas se fizeram em Inglaterra no século XIV. Representa a Coroação da Virgem e terá vindo para Portugal com o séquito de D. Filipa de Lencastre, pela mão de Guilherme Arnao, senhor da povoação.

Cabeça do aeródromo de Coimbra, o ainda hoje conhecido por Aeródromo de Cernache estende-se pela freguesia vizinha. A antiga vila viu desaparecer as suas indústrias tradicionais, a da moagem e a de escovas e vassouras, para, em seu lugar, surgirem as indústrias de cerâmica, alimentares e muitas outras de menor dimensão.

O pintor Belchior da Fonseca seria possivelmente natural de Cernache, pois aqui residiu na segunda metade do século XVI. Um dos mais ilustres filhos da terra foi, porém, Álvaro Anes de Cernache, que foi porta-bandeira da Ala dos Namorados na Batalha de Aljubarrota e anadel-mor dos besteiros a cavalo.

FORAL
Elevada a vila, em 1420, por carta de D. João I, que entregou o senhorio a seu filho D. Pedro, duque de Coimbra, Cenache recebeu o seu Foral, concedido por D. Manuel I, em 1514, mercê que o decreto de 6 de Novembro de 1836, suprimiu. A atestar estes dados históricos encontra-se o documento que se transcreve de seguida:“Cernache sua elavada a Villa e o seu Foral. Factos históricos. Como deixou de ser Villa. Sua etymologia e verdadeiro nome.D. João I, havendo a si o senhorio de Cenache, que transferiu a seu filho o Infante D. Pedro, engrandeceu esta terra, fazendo-a Villa por Carta de 11 d’outubro da era 1458, anno 1420, o que tanto importa dizer que lhe augnentou os seus foros e regalias.D.Manuel I, fazendo a reforma dos foraes os tormar harmónicos com as cicumstancias e leis do tempo, e d’esta maneira facilitar não só a admirição da justiça como o acabamento de intermináveis dispuras, que versavam principalmente sobre matéria de tributos e prestações, e ainda para assegurar a todas as povoações do paiz os seus usos e costumes, os seus privilegio locaes, deu á Villa de Cemavhe, que assim quis enobrecer, o seu Foral em 15 de Setembro de 1514.Os preceitos alli consignados, que pouco mais eram do que a confirmação de direitos e obrigaçãões já existentes ou admittidos pelo uso, começaram a vigorar, como lei escripta, em 23 de Novembro de 1516, dia em qye Braz de Ferreira celebrou perante os afficiaes da Câmara de Cermanche o auto da entrega do referido Foral e respectiva publicação”.

MOINHOS
Falar dos moinhos de Cernache é antes de mais falar num inestimável valor patrimonial de todos, e sobretudo, numa aposta que tem assim a ver, não só com a recuperação de um importante património da Freguesia, mas também com a preservação de uma herança cultural que deve ser transmitida de geração em geração. Existe urna grande importância turística, didáctica, histórica - cultural. social, patrimonial, pedagógica e educativa, sobretudo, para as novas gerações. Daí a necessidade da recuperação dos moinhos, para permitir a jovens, turistas e outros cidadãos, tomar contacto com realidades distantes da actual, descobrir referências históricas e culturais, e entender, com maior precisão. a influência social da ancestral indústria da moagem.

O moinho de rodízio, que apareceu pela primeira vez descrito por Antípatro de Tessalónica no ano 85 a.c.. espalhou-se rapidamente peta Europa. Não se pode dar a data certa da sua entrada em Portugal mas encontraram-se ruínas de moinhos de rodízio junto à represa romana do lugar da Represe, em Beja, o que leva a crer que já tivessem sido introduzi­dos pelos Romanos.

Os moinhos de águas encontram-se um pouco por todo o país. no entanto, a partir da década de 60, com a implantação de moagens industriais, accionadas a electricidade ou motores de combustão, foi alterada por completo a actividade dos moinhos de água. Por isso, não é de estranhar que a evolução das sociedades os tenha retegado para um segundo plano, não só pela revolução tecnológica operada, bem como pela alteração dos hábitos alimentares. A grande indústria, sobre tudo as moagens indus­triais, a alteração dos hábitos alimentares, o surgimento das padarias, a migração das popu­lações rumo a outras paragens, são outros tantos factores que contribuíram para a derrocada desta economia cujos pilares assentavam na moagem do milho (inicialmente, do arroz) e na distribuição da farinha pelos fregueses habituais - o carreto - para a confecção da tradicional broa de milho, então, elemento essencial de sobrevivência das tamirias e, subsidiariamente, à alimentação dos animais. Cernache não pode desligar-se da história dos moinhos, sob pena de olvidar a história dos seus antepassados e da própria Freguesia. As actividades ligadas à moagem tiveram durante séculos, grande importância económica para esta região, sobre­tudo, para a nossa Freguesia, onde famílias inteiras participavam e viviam desta actividade, na qual a Ribeira de Cernache desempenhava um papel fundamental em todo o processo, graças à sua localização, ao caudal e perfil lon­gitudinal da Ribeira, com declives que permitiam a fácil e eficaz fixação de moinhos, sobretudo, pela abundância de água das ribeiras e pela oferta cerealifera dos seus campos, onde a indústria de moagem tinha condições ideais para aqui se desenvolver em larga escala, de tal forma que até foi mesrno criado um Bairro dos Moinhos.

O primeiro documento que faz referência à existência de moinhos de água "por estas bandas", data de19 de Abril de 1086, altura em que o presbítero Sendamiro Moniz doou à Sé de Coimbra metade dos seus moinhos que possuía em Anobra. Mas para dar uma ideia aproximada da importância destes moinhos para a nossa Freguesia, basta referir que no início do séc. XIX eram mesmo os moinhos de água de Cernache que abasteciam Coimbra de larinhas, e no princípio do séc. XX, existiam ao longo das ribeiras de Cernache, Casconha e Pão Quente (estas afluentes da primeira), 58 assentos de moinho, com 112 casais de mós. No entanto, com o tempo, os moinhos de àgua começaram a parar e os açudes deixaram de fazer represa as levadas e Aguieiras entupiram e os rodízios a seco empenaram e deformaram-se. Actualmente não há continuidade na mestria de moleiro. Poucos são os que, por exemplo, sabem picar as mós, como o nosso moleiro, o Sr. António "Sono". Alguns, ainda hoje laboram e teimam heroicamente em resistir ao esqueci­mento e a uma sociedade que os votou implacavelmente a peças de museu. Infelizmente os moinhos de água fazern parte de um património muitas vezes esquecido, e é com alguma pre­ocupação que se assiste, sobretudo durante o último século, ao paulatino desaparecimento deste tão valioso património.

Pelo que conheço dos moinhos de Cemache e da sua história, tenho a plena convicção que havendo vontade e disponibilidade das entidades competentes, a Freguesia de Cernache tem potencial suficente para a nível destes imóveis, criar, por exemplo, um Museu do Moinho, ou Museu Vivo, ou ainda, uma Rota dos Moinhos. Assim, o aproveitamento e recuperação de moinhos pode promover a nossa Freguesia em termos turísticos e preser­var a nossa herança cultural.

Deste modo, para além de se restaurar os moirihos, mantendo a sua traça original e o espaço que rodeia cada um iria reproduzir o per­curso tradicional da água, a fim de melhorar o espaço envolvente e permitir dar aos visitantes uma noção do Ciclo do Pão. Penso que também seria, interessante criar um posto de venda de artesanato e objectos relacionados com o tema. Seria, igualmente, enriquecedor completar estes espaços com uma área de lazer arborizada, com um parque infantil e outro para meren­das e locais de estacionamento, a título de exemplo.


Em jeito de conclusão, gostaria de salientar a necessidade de integrar este património no nosso quotidiano e fazer deles não apenas peças de museu, mas realidades vivas. Os moinhos possibilitam uma oxigenação das águas tão vital para todas as formas de vida que devem à água o seu sustento. Convém também, não esquecer todo o seu potencial agro turístico, a sua importância pedagógica e educativa e a necessidade de preservar todo este patrimóriio que, sendo nosso, é a nossa historia. Finalmente, gostaria que as pessoas e, em especial as instituições, se sentissem mais sensibilizadas para com este precioso legado que se nós impõe preservar, enriquecer e, entretanto, divulgar.

AUTOR: Marco Cruz
Licenciado em História pela Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra, mestre em Política Cultural Autárquica e doutorando em Património Cultural e Museologia.

Álvaro Anes de Cernache - Retrospectiva histórica
O século XIV viria a revelar-se como um século decisivo para a contundente e definitiva afirmação de Portugal como Nação independente, que devido a diversos problemas, sobretudo, de sucessão, estava, por esta altura, bastante ameaçada. O Estado português atravessava crises muito graves. As contradições que percorriam a sociedade portuguesa desembocavam, muitas vezes, em conflitos armados. Inicialmente pesava sobre a sua existência o ceptro do não reconhecimento externo. Em 1383 , o Rei Fernando de Portugal estava a morrer. Do seu casamento com a castelhana Leonor Telles de Menezes, apenas uma rapariga, Beatriz de Portugal havia sobrevivido à infância. O seu casamento era portanto da mais vital importância ao futuro do reino. As várias facções políticas discutiam entre si possíveis maridos, que incluíam príncipes ingleses e franceses . No princípio da década de 1380, Fernando decidiu-se pela primeira escolha de Leonor Telles de Menezes: o rei João I de Castela (Juan I, daqui em diante). O casamento foi celebrado em Maio de 1383, mas não era uma solução aceite pela maioria dos portugueses, uma vez que implicava a união dinástica de Portugal e Castela e consequente perda de independência. Muitas personalidades quer da nobreza, quer da classe de mercadores e comerciantes estavam contra esta opção, mas, também, não se encontravam unidos quanto à escolha alternativa. Dois candidatos emergiram, ambos meios-irmãos bastardos do rei moribundo: João, filho do Rei Pedro I de Portugal e Inês de Castro , a viver no momento em Castela e João, Grão-Mestre de Aviz , outro bastardo de Pedro I, muito popular junto da classe média e aristocracia tradicional.

Em 1383, o Poder caíu na rua. Pela primeira vez os grupos urbanos tinham um papel político determinante na condução dos acontecimentos não apenas como carne de espada e lança mas como protagonista dos eventos políticos. A 22 de Outubro , Fernando de Portugal morre. De acordo com o contrato de casamento de Beatriz e Juan I de Castela, a regência do reino é entregue a Leonor Teles de Menezes, agora rainha viúva. Proclamada herdeira do trono, imediatamente apareceu resistência contra ela, sobretudo, por ser casada com o rei de Castela. Embora no contrato nupcial estivesse escrito que D. João I de Castela não seria rei de Portugal, receava – se contudo que essa cláusula não fosse cumprida. A partir de então, as hipóteses de resolver o conflito de forma diplomática esgotaram-se e a facção independentista tomou medidas mais drásticas, iniciando a Crise de 1383-1385 . O primeiro acto de hostilidades foi tomado pela facção do Mestre de Aviz em Dezembro de 1383 . João de Aviz e um grupo de conspiradores entram em Lisboa e assassinam o Conde de Andeiro , amante e aliado político de Leonor Teles de Menezes , um dos principais orquestradores do casamento de Beatriz com o rei João I de Castela . O autor Henrique Mateus dos Santos, na sua Monografia histórica de Cernache, conta que o próprio pai de Álvaro Anes de Cernache, Fernão Álvares, foi a Lisboa com o Mestre de Avis assassinar o Conde Andeiro. Por seu turno, Lisboa encontrava-se a braços com o cerco de Castela, que começava a causar fome e privação. Bloqueada por terra e pelo rio, a cidade perdera as esperanças de ser libertada pelo exército de João de Aviz , demasiado pequeno para arriscar nesta fase um confronto directo com os castelhanos, e ocupado em controlar outras cidades.

Foi neste contexto de alguma crispação e instabilidade que surge o nosso Álvaro Anes. Nasceu em Cernache por volta do ano de 1363. Filho de Fernão Álvares, de Coimbra e de Maria Vieira, de Cernache, lugar onde possuíam muitos bens, com eles ali viveu os seus primeiros anos de vida. O mesmo autor explica que Álvaro Anes não casou, mas teve de Clara Annes, mulher solteira, Fernão Álvares, a quem legitimou por escritura pública. Álvaro Anes era vulgarmente conhecido como “O Cernache”, alcunha que tomou para seu apelido e dos seus descendentes, o que atesta bem o orgulho que nutria pela sua terra natal. Nobres qualidades demonstrou, Álvaro Anes, ao fundar no seu solar de Cernache, um hospital e uma albergaria para acolher os peregrinos que por aqui passavam. Entregou a sua administração com os respectivos rendimentos à cidade de Coimbra. Sobre esta escreveu Giovanni Confalonieri em 1594: “ Tem uma hospedaria bem cuidada, com um serviço de pratos, por certo parecido com Itália”.

João de Aviz organizou a reunião que ficou conhecida como as Cortes de Coimbra , juntando todas as figuras importantes do reino. É aí que, a 6 de Abril , foi aclamado João I, Rei de Portugal , primeiro da Dinastia de Aviz , num claro acto de guerra contra as pretensões castelhanas.

Nas Cortes de Coimbra, em 1383-85 põe-se, incondicionalmente, ao serviço do Mestre de Avis, aí aclamado. Álvaro Anes de Cernache era escudeiro de Mem Rodrigues de Vasconcelos que juntamente com seu irmão Rui Mendes de Vasconcelos, eram os chefes da Ala dos Namorados, ou dos “esfarrapados” que é como já chamavam os brincalhões à nossa “arraia-miúda”, formando a ala direita do quadrado que o Condestável adoptou como táctica de combate, e assim designada, por ser constituída por gente jovem, irreverente, aventureira, todos portugueses, entre os quais estudantes de Coimbra, na Batalha de Aljubarrota, na tarde gloriosa de 14 de Agosto de 1385.

Guerreiro de valor provado, destacou-se como jovem alferes, porta – bandeira da Ala dos Namorados na referida batalha. Neste importante e decisivo momento para a independência de Portugal face ao Reino de Castela, o jovem alferes e a “sua” Ala dos Namorados evidenciam-se. Numa luta em que o número de tropas castelhanas comandadas por D. Juan I era muito superior às tropas portuguesas, comandadas por D. João I e seu condestável D. Nuno Álvares Pereira. Muitos sustentaram mesmo a opinião de não ser o exército português bastante forte para combater o inimigo em campo aberto.

A luta foi terrível e desigual, a cavalaria portuguesa não se distinguia, praticamente, da infantaria. Estava ligeiramente armada e equipada. D. Nuno colocou as suas tropas em duas linhas, na primeira linha de combate encontrava-se a famosa Ala dos Namorados, a destemida vanguarda “ a terem na batalha a dianteira”, constituída por 200 lanças, 200 besteiros e 650 peões (estes números variam segundo diferentes autores). Assim, esmagados entre os flancos portugueses e a retaguarda avançada (devido a famosa táctica do Quadrado que mais tarde Napoleão viria, igualmente, a utilizar), os castelhanos lutaram desesperadamente por uma vitória. Nesta fase da batalha, as baixas foram pesadas para ambos os lados, principalmente no lado de Castela e no flanco direito português, na famosa Ala dos Namorados, onde o nosso valoroso e bravo herói erguia a grande bandeira verde da Ala “ordenada à vontade de todos”indo de encontro ao inimigo. Os Castelhanos caindo sobre o centro da vanguarda conseguiram romper, momentaneamente, as primeiras linhas. “… Ala dos Namorados, a eles! – Trovejou a voz de Mem Rodrigues. – Por nossa terra e por nossa damas! – Gritavam os rapazes. E toda a Ala fez uma conversão para se opor a que o inimigo chegasse até à segunda linha da hoste.” As duas alas envolvendo a massa da vanguarda invasora, após três horas de embate terrível, esmagaram-na, distinguindo-se particularmente, a “leda companhia”, como lhe chama Fernão Lopes, pela rapidez, coragem e valentia com que enfrentou sem medo o ímpeto do inimigo, ficando esta Ala quase toda ferida, porque os castelhanos, refere ainda o mesmo cronista, cuidaram de “a desbaratar primeiro de todos”. Com o decorrer da batalha a coragem e a irreverência não poupam a cada vez mais reduzida Ala dos Namorados, “…alguns tinham morrido abraçados, a rouquejar o moto da bandeira, a murmurar um suave nome de mulher naquele sonho de morte. Mem Rodrigues ferido tinha sido levado em braços, Rui, era de facto, agora o Comandante da Ala dos Namorados… Viva Deus! Gritou Rui de Vasconcelos. – Namorados, mais perto essa bandeira para acabarmos a defendê-la (…) Esta está ganha! – Disse Mem Rodrigues para a reduzidíssima Ala dos Namorados. – Moços, benditas mães as vossas porque tão grande esforço puseste nesta vitória!” O Rei chegando perto do que restava da Ala, disse: “- grande feito o vosso, por minha vida!”.

Álvaro Anes de Cernache termina o combate gravemente ferido.

Na manhã de 15 de Agosto, a catástrofe sofrida pelos castelhanos ficou bem à vista: os cadáveres eram tantos que chegaram para barrar o curso dos ribeiros que flanqueavam a colina. Para além de soldados, morreram também muitos fidalgos castelhanos, o que causou luto em Castela até 1387. Com esta vitória, D. João I tornou-se no rei incontestado de Portugal, o primeiro da dinastia de Avis . D. João, Mestre de Avis, e toda a sua história de nomeação a Regedor e Defensor do Reino.

Mas os feitos do nosso valoroso Álvaro Anes de Cernache não ficam por aqui e em 1415 juntamente com D. João I e a geração de Aljubarrota, planeou, dirigiu e consumou a conquista de Ceuta, dando início à maior e mais profícua aventura que os portugueses alguma vez encetaram, a epopeia dos Descobrimentos Portugueses, aliviando as tensões internas e abrindo caminho à diáspora portuguesa que se prolongou até aos nossos dias, acompanhando a gente que mais profundamente marcaram esse caminho que pelo mar feriu e abraçou o mundo. O nosso valoroso herói foi anadel mor dos besteiros a cavalo. O próprio Mestre de Avis o armou cavaleiro.

Como reconhecimento e recompensa dos seus valorosos serviços, D. João I, por mercê régia, tinha-lhe concedido entre outros direitos o poder senhorial em Vila Nova de Gaia, tornando-se assim, o primeiro senhor de Gaia – a – Grande; direitos reais sobre o rio Douro para si e para os seus descendentes, bem como colheitas anuais em Coja e em Andorinhas, Freguesia de Lamarosa, no Concelho de Coimbra. E, acrescenta o autor Armando de Matos, Director dos Museus Municipais e Biblioteca Pública de Gaia na sua publicação “ Álvaro Anes de Cernache, na passagem do 550º aniversario da batalha de Aljubarrota” que para alem destas mercês, “…fundou a casa de Campo Belo, também conhecida por Paço do rei Ramiro…” situada no sopé nascente do lugar do Castelo de Gaia, onde ainda hoje habitam os seus descendentes de apelido Cernache.

O mesmo autor descreve ainda o brasão de armas de Álvaro Anes de Cernache, este apenas conhecido por estar gravado no seu túmulo. Assim, as dos Cernache: “cinco palas de oiro em campo vermelho, com bordadura de azul carregada de vieiras de prata; por timbre, um leão, vermelho, com uma das vieiras na espádua…As armas dos Vieiras são: seis vieiras de oiro realçadas de negro em campo vermelho; por timbre dois bordões de peregrino, passados em aspa, de vermelho, maçanetados e ferrados de oiro.” O autor faz ainda a seguinte elogiosa e elucidativa apreciação, que talvez fosse o significado dado pelo Mestre de Avis ao atribuir as insígnias: “Álvaro Anes de Cernache bateu-se como um leão…pelo direito a uma pátria livre. O campo vermelho diz luta; o leão a valentia; o direito apresenta-se pelas palas de oiro.”

Os cargos que desempenhou atestam bem a importância e o valor de Álvaro Anes de Cernache no universo militar português dos séculos XIV e XV, sendo indiscutível a sua grandeza individual e projecção histórica. Assim para ser Alferes, isto é, encarregado de arvorar e defender a bandeira tinha de reunir duas condições indispensáveis: tinha de ser um guerreiro de valor provado e jovem. Quanto a Anadel – Mor, outro cargo de enorme relevância exercido por este em Ceuta, seria o capitão de várias companhias de besteiros que utilizavam a besta como arma principal.

Álvaro Anes de Cernache faleceu já em idade avançada, pensa-se que teria 79 anos e encontra-se sepultado na Capela de Santiago da Igreja do Convento de Corpus Christi, em Gaia. Encontra-se sepultada, juntamente com Álvaro Anes de Cernache as cinzas de D. Leonor Alvim, esposa de D. Nuno Alvares Pereira. Cidade onde se encontra, igualmente, uma rua, uma travessa e um monumento em sua homenagem. Em Cernache, sua terra natal encontramos apenas uma rua com seu nome, estando este incompleto, o que na minha opinião se me afigura como pouco para quem fez tanto pela história de Portugal elevando bem alto e levando bem longe o nome de Cernache. Já se “queixava”, igualmente, o autor Henrique Mateus dos Santos, na sua Monografia histórica de Cernache, face à inexistência de um monumento em Cernache, em honra de Álvaro Anes de Cernache, “que pelos seus relevantes serviços bem merecia ter ao menos uma lápide comemorativa na sua terra natal”.

Só se conhecem quatro sepulturas de Cavaleiros da Ala dos Namorados, sendo que uma delas é a do nosso herói.

Os acontecimentos de 1383-85, que culminaram com a Batalha de Aljubarrota, marcaram profundamente o imaginário e a mitologia nacional, o próprio Luís de Camões, nos Lusíadas, dedicou ao “fogo erguido” da revolução o maior número de estrofes que cantam a história de Portugal. E se os acontecimentos falam por si, a sua projecção no nosso imaginário deve muito à estatura do historiador e ao génio verbal de Fernão Lopes. As gentilezas dos namorados em Aljubarrota ficaram na história como protótipo de heroísmo juvenil, em defesa da pátria e tiveram o seu reflexo na literatura. Aludiram a elas, além dos referidos nomes como Luís Vaz de Camões, nos Lusíadas ou Fernão Lopes, nas suas crónicas, Rodrigues Lobo, I. Vilhena Barbosa, António de Campos e Oliveira Martins, entre outros.

“…pobres namorados a quem a morte não deixou noivar.”

Falar de Álvaro Anes de Cernache significa, portanto, percorrer uma parte significativa dos séculos XIV e XV, num sinuoso e complexo percurso, onde a própria existência de Portugal esteve em risco. Aos 22 anos bateu-se estoicamente pela liberdade na famosa Batalha de Aljubarrota, e aos 52 anos estava em Ceuta, ao lado de D. João I, dando início a época de ouro portuguesa. Álvaro Anes de Cernache marca decisivamente com o seu contributo parte destes dois séculos e seus principais acontecimentos, sendo estes, na minha opinião, dos momentos mais marcantes e resolutos de toda a História de Portugal, e Álvaro Anes de Cernache lá estava, revelando-se um homem de distintas qualidades humanas e um combatente pela liberdade.

AUTOR: Marco Cruz
Licenciado em História pela Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra, mestre em Política Cultural Autárquica e doutorando em Património Cultural e Museologia.

Lendas:

A Padeira de Aljubarrota:

Brites de Almeida, mulher feia e muito forte, nasceu em Faro, de família pobre e humilde, preferia durante a sua juventude andar à pancada que ajudar os pais na sua taberna. Aos vinte anos ficou órfão. Aprendeu a manejar a espada e o pau com tal mestria que depressa alcançou a fama de valente. Em 14 de Agosto de 1385 dia da Batalha de Aljubarrota, Brites não conseguiu resistir ao apelo da sua natureza. Pegou na primeira arma que achou e juntou-se ao exército português. Chegando a casa cansada mas satisfeita pela derrota infligida ao invasor, despertou-a um ruído estranho, dentro do forno estavam sete castelhanos escondidos. Brites pegou na sua pá de padeira e matou-os logo ali. Liderou um grupo de mulheres que perseguiram os fugitivos castelhanos que ainda se escondiam nas redondezas. A memória dos seus feitos heróicos ficou para sempre como símbolo da independência de Portugal. A pá foi religiosamente guardada como estandarte de Aljubarrota por muitos séculos, fazendo parte da procissão de 14 de Agosto.


O Monstro de Aljubarrota:

Na Batalha de Aljubarrota, a desproporção de forças era enorme, no entanto, os espanhóis hesitavam em atacar, impressionados pela serenidade mística dos portugueses. Não conseguido o invasor atingir a estratégia de defesa portuguesa, desesperados e tendo conhecimento da existência de uma grande fera nas imediações do terreno, os castelhanos decidiram procurar a besta infernal para que esta os auxiliasse. Um bruxo que acompanhava os castelhanos hipnotizou o monstro e este concordou em ajudá-los. O monstro avançou e começou a desfazer os soldados que estavam à sua frente, assustando até D. João I que se lembrou de invocar ajuda do seu patrono S. Jorge e da Virgem Maria, com toda a fé que tinha. Segundo conta a lenda, S. Jorge desceu dos céus montado no seu cavalo e rodeado por uma bola de fogo, lançando-se com a sua lança sobre a terrível fera. Depois de vencer o monstro, S. Jorge virou-se contra o exército inimigo desbaratando as suas fileiras e ajudando os portugueses a alcançar a vitória. D. João I mandou edificar uma ermida onde foi colocada a imagem de S. Jorge montando no seu cavalo, matando o monstro com a sua lança.

Curiosidades:

São Jorge:

Assim, São Jorge, além do seu cunho religioso, tem também um cunho histórico, como já foi anteriormente referido na Lenda do Monstro de Aljubarrota, pois, é o nome do santo que invocaram os companheiros do Condestável, os cavaleiros da Ala dos Namorados, vencedores em Aljubarrota e paladinos da independência.


Santo Antão:

A Capela de Santo Antão de Óbidos foi construída em cumprimento de um voto, por D. Antão Vaz Moniz, fidalgo obidense e um dos combatentes da Ala dos Namorados em Aljubarrota. Todos os anos, no dia 17 de Janeiro celebram-se os festejos em honra de Santo Antão. O povo sobe ao Outeiro e com muita devoção oferece ao “Padroeiro dos Animais” azeite e linguiças, como sinal de cumprimento das promessas.

Oração a Santo Antão – Dia 17 de Janeiro
Ó Deus, que permitistes que, mesmo na solidão de uma gruta, no deserto, o demónio perturbasse Santo Antão com violentas tentações, mas lhe destes força de vencê-las, enviai-me, do céu, o vosso socorro, porque eu vivo num ambiente minado de tentações que me agridem, pelo rádio, televisão, novelas, bailes, cinemas, revistas, propagandas e maus companheiros.
Santo Antão, ficai sempre ao meu lado; vós que vencestes o demónio, na aparência de um bicho imundo, me dareis força na tentação. Na hora da tentação, socorrei-me Santo Antão.
Amém.

 

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